O
debate em torno do Acordo Ortográfico (AO) é já sobejamente conhecido (e longo!),
tendo gerado, entre os utentes da língua – especialistas e leigos –,
posicionamentos de entusiástica defesa, de acérrima contestação ou de simples
indiferença. Os argumentos, uns mais frágeis que outros, também são de natureza
variada. A título de exemplo:
·
A IDENTIDADE NACIONAL
Vasco Graça Moura (Escritor/Poeta/Ensaísta/Tradutor/Político)
lamento para a
língua portuguesa
não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
in
"Antologia dos Sessenta Anos"
»»»»»
O acordo “viola os artigos da
Constituição que protegem a língua portuguesa, não apenas como factor
de identidade nacional mas também enquanto valor cultural em si
mesmo”.
artigo publicado no jornal Público, 03/02/2012
ªªª
José Eduardo Agualusa (Jornalista/Escritor
angolano)
“Participei,
na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa,
num debate sobre o Acordo Ortográfico — que o Brasil prometeu aplicar este ano,
e Portugal também, tendo Portugal depois recuado de forma inexplicável.
Pela
experiência que ganhei participando em debates públicos cheguei à conclusão de
que as opiniões contrárias ao Acordo Ortográfico resultam:
(…)
2)
no caso de Portugal, de um enraizado sentimento imperial em relação à língua.
No referido debate, na Casa Fernando Pessoa, este sentimento ficou explícito
quando um espectador se levantou aos gritos: «A língua é nossa!»"
»»»»»
Sente que há pessoas reticentes, até
conservadoras, em adoptar palavras novas que podem vir de Angola, ou do Brasil,
ou isso será mais a posição de algumas elites que ficam mais incomodadas?
As pessoas não conhecem tanto a
contribuição africana, mas há, há muitos séculos, palavras dentro da língua
portuguesa que vêm do quimbundo, de Angola, que estão lá há tanto tempo que as
pessoas não se apercebem disso. (…)
O português é uma construção conjunta de toda a gente que fala português e isso é que faz dele uma língua tão interessante, com tanta elegância, elasticidade e plasticidade.
O português é uma construção conjunta de toda a gente que fala português e isso é que faz dele uma língua tão interessante, com tanta elegância, elasticidade e plasticidade.
entrevista a José Eduardo Agualusa,
25/11/2010
·
OS INTERESSES ECONÓMICOS
Malaca Casteleiro (coordenador do “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, da
Academia das Ciências de Lisboa, e um dos autores do Acordo)
Mas os detractores do Acordo são geralmente pessoas com grande plasticidade
linguística. A oposição não é só portuguesa. Há dias um editorialista
brasileiro considerava a reforma inútil. Como se explica esta atitude?
Aí há que
considerar razões de ordem pessoal, se quisermos de ordem patriótica. Mas
também há razões de natureza política e económica. Há quem pense, entre os
editores e livreiros, que promovendo o novo acordo ortográfico possa vir a
sofrer danos económicos, em especial nos países africanos lusófonos, no pressuposto
de que o Brasil vai entrar nesse mercado. Eu creio que essa visão é errada,
pois desde que o Brasil queira avançar nesse caminho, não vejo como se possa
impedi-lo num mundo de globalização crescente. Pretender defender o mercado
livreiro pela via proteccionista da ortografia parece-me um contra-senso.
entrevista
publicada na revista África, 21/12/2007
·
AS FACULTATIVIDADES
Inês Duarte (Linguista)
"É
a história do rei que vai nu. Está-se a tentar dar a ilusão de que se está a
unificar a ortografia do português. Se agora temos duplas grafias, elas vão
continuar a existir depois do Acordo, continuando a impedir aquilo em nome do
qual ele é feito.”
Vítor Aguiar e Silva (Escritor/Poeta/Professor)
“Há pontos escandalosos do ponto de vista técnico-linguístico,
como o da facultatividade ortográfica, que coloca grandes problemas de natureza
pedagógico-didáctica."
declarações
ao Expresso, de 01/03/2012
ªªª
A
tripla grafia com que se pode escrever, em Portugal, febra, fevra e fêvera
("e está sempre correto") é um dos exemplos que o linguista e
catedrático João Malaca apresenta.
DN, 09/01/2010
“As pessoas
oferecem grande resistência em alterar a maneira como escrevem, mesmo que as
diferenças sejam mínimas, como é o caso. As alterações que se propõem ao acordo
não chegam a dois por cento do léxico da língua.”
“Desde
que haja uma boa aprendizagem da língua nas escolas, a fragmentação não me
parece viável. Acho admissíveis as diversidades de pronúncia - em Lisboa de uma
maneira, em Ponta Delgada de outra e no Brasil ainda de outra. Mas a
comunicação permanece inteligível.”
entrevista
publicada na revista África, 21/12/2007
O objetivo desta breve ilustração é
simplesmente dar a conhecer aos alunos, em especial, um pouco da controvérsia
que a implementação do AO desencadeou. Contudo, não é pretensão deste blogue
dirigir opiniões, mas, sim, provocá-las. Assim se deseja a escola: espaço
privilegiado para a promoção e desenvolvimento do espírito crítico e meio
facilitador das aprendizagens. Neste sentido, as autoras deste projeto
pretendem esclarecer e ajudar o utente da língua portuguesa na aquisição das
novas regras ortográficas.
As minhas pátrias são a língua
portuguesa
Vergílio Ferreira - Portugal
Uma língua é o lugar donde se vê o mundo
e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha
língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o
silêncio do deserto.
José Eduardo Agualusa - Angola
Os descendentes dos
angolenses, hão-de um dia falar um português próspero, redondo e musical, e
quem os ouvir talvez consiga escutar no eco de certas palavras o largo rumor do
Quanza passeando-se em direcção ao mar, o colorido piar de suas muitas aves, o
zunir dos insectos, o cair das chuvas, o ribombar dos trovões, o silvo do vento
soprando húmido por entre o capinzal.
Mia Couto - Moçambique
Poema Mestiço
escrevo mediterrâneo
na serena voz do Índico
sangro norte
em coração do sul
na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo
hei-de
começar mais tarde
por ora
sou a pegada
do passo por acontecer...
escrevo mediterrâneo
na serena voz do Índico
sangro norte
em coração do sul
na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo
hei-de
começar mais tarde
por ora
sou a pegada
do passo por acontecer...
Clarice Lispector – Brasil
Saudades
(…)
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
(…)
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