terça-feira, 5 de junho de 2012


O debate em torno do Acordo Ortográfico (AO) é já sobejamente conhecido (e longo!), tendo gerado, entre os utentes da língua – especialistas e leigos –, posicionamentos de entusiástica defesa, de acérrima contestação ou de simples indiferença. Os argumentos, uns mais frágeis que outros, também são de natureza variada. A título de exemplo:

·         A IDENTIDADE NACIONAL

Vasco Graça Moura (Escritor/Poeta/Ensaísta/Tradutor/Político)

lamento para a língua portuguesa
não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
 in "Antologia dos Sessenta Anos"
»»»»»
O acordo “viola os artigos da Constituição que protegem a língua portuguesa, não apenas como factor de identidade nacional mas também enquanto valor cultural em si mesmo”.
artigo publicado no jornal Público, 03/02/2012
ªªª
José Eduardo Agualusa (Jornalista/Escritor angolano)
“Participei, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, num debate sobre o Acordo Ortográfico — que o Brasil prometeu aplicar este ano, e Portugal também, tendo Portugal depois recuado de forma inexplicável.
Pela experiência que ganhei participando em debates públicos cheguei à conclusão de que as opiniões contrárias ao Acordo Ortográfico resultam:
(…)
2) no caso de Portugal, de um enraizado sentimento imperial em relação à língua. No referido debate, na Casa Fernando Pessoa, este sentimento ficou explícito quando um espectador se levantou aos gritos: «A língua é nossa!»"
artigo publicado no semanário angolano A Capital, 9/02/2008

»»»»»
Sente que há pessoas reticentes, até conservadoras, em adoptar palavras novas que podem vir de Angola, ou do Brasil, ou isso será mais a posição de algumas elites que ficam mais incomodadas?
As pessoas não conhecem tanto a contribuição africana, mas há, há muitos séculos, palavras dentro da língua portuguesa que vêm do quimbundo, de Angola, que estão lá há tanto tempo que as pessoas não se apercebem disso. (…)
O português é uma construção conjunta de toda a gente que fala português e isso é que faz dele uma língua tão interessante, com tanta elegância, elasticidade e plasticidade.
entrevista a José Eduardo Agualusa, 25/11/2010

·         OS INTERESSES ECONÓMICOS

Malaca Casteleiro (coordenador do “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, da Academia das Ciências de Lisboa, e um dos autores do Acordo)
Mas os detractores do Acordo são geralmente pessoas com grande plasticidade linguística. A oposição não é só portuguesa. Há dias um editorialista brasileiro considerava a reforma inútil. Como se explica esta atitude?
Aí há que considerar razões de ordem pessoal, se quisermos de ordem patriótica. Mas também há razões de natureza política e económica. Há quem pense, entre os editores e livreiros, que promovendo o novo acordo ortográfico possa vir a sofrer danos económicos, em especial nos países africanos lusófonos, no pressuposto de que o Brasil vai entrar nesse mercado. Eu creio que essa visão é errada, pois desde que o Brasil queira avançar nesse caminho, não vejo como se possa impedi-lo num mundo de globalização crescente. Pretender defender o mercado livreiro pela via proteccionista da ortografia parece-me um contra-senso.
entrevista publicada na revista África, 21/12/2007
·         AS FACULTATIVIDADES

Inês Duarte (Linguista)
 "É a história do rei que vai nu. Está-se a tentar dar a ilusão de que se está a unificar a ortografia do português. Se agora temos duplas grafias, elas vão continuar a existir depois do Acordo, continuando a impedir aquilo em nome do qual ele é feito.”

Vítor Aguiar e Silva (Escritor/Poeta/Professor)
“Há pontos escandalosos do ponto de vista técnico-linguístico, como o da facultatividade ortográfica, que coloca grandes problemas de natureza pedagógico-didáctica."
declarações ao Expresso, de 01/03/2012
ªªª
A tripla grafia com que se pode escrever, em Portugal, febra, fevra e fêvera ("e está sempre correto") é um dos exemplos que o linguista e catedrático João Malaca apresenta.
DN, 09/01/2010

“As pessoas oferecem grande resistência em alterar a maneira como escrevem, mesmo que as diferenças sejam mínimas, como é o caso. As alterações que se propõem ao acordo não chegam a dois por cento do léxico da língua.”

“Desde que haja uma boa aprendizagem da língua nas escolas, a fragmentação não me parece viável. Acho admissíveis as diversidades de pronúncia - em Lisboa de uma maneira, em Ponta Delgada de outra e no Brasil ainda de outra. Mas a comunicação permanece inteligível.”
entrevista publicada na revista África, 21/12/2007



            O objetivo desta breve ilustração é simplesmente dar a conhecer aos alunos, em especial, um pouco da controvérsia que a implementação do AO desencadeou. Contudo, não é pretensão deste blogue dirigir opiniões, mas, sim, provocá-las. Assim se deseja a escola: espaço privilegiado para a promoção e desenvolvimento do espírito crítico e meio facilitador das aprendizagens. Neste sentido, as autoras deste projeto pretendem esclarecer e ajudar o utente da língua portuguesa na aquisição das novas regras ortográficas.


As minhas pátrias são a língua portuguesa

Vergílio Ferreira - Portugal
Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.


José Eduardo Agualusa - Angola
Os descendentes dos angolenses, hão-de um dia falar um português próspero, redondo e musical, e quem os ouvir talvez consiga escutar no eco de certas palavras o largo rumor do Quanza passeando-se em direcção ao mar, o colorido piar de suas muitas aves, o zunir dos insectos, o cair das chuvas, o ribombar dos trovões, o silvo do vento soprando húmido por entre o capinzal.



Mia Couto - Moçambique
Poema Mestiço

escrevo mediterrâneo
na serena voz do Índico

sangro norte
em coração do sul

na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo

hei-de
começar mais tarde

por ora
sou a pegada
do passo por acontecer...

Clarice Lispector – Brasil
Saudades
(…)
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
(…)

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